cronologia dos autores

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segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Camilo Castelo Branco: a genial velhacaria


Camilo
Ferreira Botelho Castelo Branco (Lisboa, Rua da Rosa, n.º 5-13 [numeração actual], 16-III-1825 - S. Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão, 1-VI-1890).

Filiação: Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco, fidalgo natural de Vila Real e Jacinta Rosa do Espírito Santo Ferreira, natural da freguesia de Santiago, Sesimbra. Camilo teve uma irmão mais velha, Carolina Rita, mãe do poeta Azevedo Castelo Branco (que o tio antologia no Cancioneiro Alegre), amigo de Antero em Coimbra, e personalidade de relevo político, sendo, entre outros cargos desempenhados, o último ministro dos Negócios Estrangeiros da monarquia.

Formação:

Relações e descendência.

Os livros.

lista 1

2

3

passiva seleccionada

Alexandre Herculano (1810-1877): a solidez da seriedade


 Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo (Pátio do Gil, à Rua de São Bento Lisboa, 28-III-1810 - Quinta de Vale de Lobos, Azóia de Baixo, Santarém, 1877). 

Filiação. Teodoro Cândido de Araújo, pequeno funcionário da Junta dos Juros, e Maria do Carmo Carvalho de são Boaventura, filha e neta de pedreiros da Casa Real. Origem humilde.

Formação.

Relações e descendência:

Os livros.

lista 1

lista 2

lista 3

Passiva

[Fontes: Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, vol. I, direcção de Eugénio Lisboa, entrada não assinada, e Wikipédia]

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

o mar oceano


José Malhoa, Marinha (1918)

Alves Redol «Até hoje, e já lá vão muitos anos, nunca vi o mar, embora dele tenha ouvido contar muitas histórias, e, não sei porquê, parece-me que o conheço todo só por causa daquela fotografia.» Fanga (1943)

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

VIAGENS NA MINHA TERRA (1846), de Almeida Garrett (1799-1854)

1. incipit da Viagem à Volta do Meu Quarto (1839), de Xavier de Maistre (1763-1852), servindo como epígrafe às Viagens na Minha Terra (1846). Tom paródico, mas também a noção de uma via que Garrett abre, um arejamento na prosa nacional, brisa que chega até nós.
«Qu'il est glorieux d'ouvrir une nouvelle carrière, et de paraître tout-à-cop dans le monde savant un livre de découvertes à la main, comme une comète inattendue étincelle dans l'espace!»

2. Garret era um extraordinário bon vivant; nada do que respeitasse aos prazeres da vida lhe era alheio, o que não o inibiu de alcandorar-se em figura de primeira grandeza na vida pública e cultural do seu tempo. O legado político e literário confronta bem com as fraquezas, ou fortalezas -- depende do ponto de vista --, de João Baptista da Silva Leitão. E é isso que o capítulo inicial das Viagens evidencia em cada frase. Atente-se no sumário do capítulo I:
«De como o autor deste erudito livro se resolveu a viajar na sua terra, depois de ter viajado no seu quarto; e como resolveu imortalizar-se escrevendo estas viagens. -- Parte para Santarém. -- Chega ao Terreira do Paço, embarca no vapor de Vila Nova; e o que aí lhe sucede. A Dedução Cronológica e a Baixa de Lisboa. -- Lord Byron e um bom charuto. -- Travam-se de razões os íhavos e os bordas-d'água: -- os da calça larga levam a melhor.» Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra [1846], Mem Martins, Publicações Europa-América, 1976.

Todo o tom é optimista, gozoso e sadio: o prazer da partida, a literatura, a paisagem, a política, mesmo quando adversa, as pessoas, a coloquialidade e a ironia, os pequenos prazeres, o humor -- acima de tudo. O tom de alguém que agarrou a vida com as duas mãos, dela sabendo retirar recompensa estética e sensorial, permitida ou conquistada. É um estilo de alguém que se sente muito bem na sua pele.

3. Começar. «Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de Inverno, em Turim, que é quase tão frio como Sampetersburgo -- entende-se.» (Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra [1846],  cap. I, ed. cit., p . 9)


17 de Julho de 1843: o quarto não chega. «Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e soberba, quer assunto mais largo. Pois hei-de dar-lho. Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há-de fazer crónica.» (p. 9)


Paisagem: o vapor afasta-se.   «Assim vamos de todo o nosso vagar contemplando este majestoso e pitoresco anfiteatro de Lisboa oriental, que é, vista de fora, a mais bela e grandiosa parte da cidade, a mais característica, e onde, aqui e ali, algumas raras feições se percebem, ou mais exactamente se adivinham, da nossa velha e boa Lisboa das crónicas.» (p. 10)

Vila Franca de Xira (outrora "da Restauração"): depoimento de um soldado liberal. «[...] Vila Franca a que foi de Xira, e depois da Restauração, e depois outra vez de Xira, quando a tal Restauração caiu, como todas as restaurações sucede e há-de suceder, em ódio e execração tal que nem uma pobre vila a quis para sobrenome. / -- A questão não era de restaurar, mas de se livrar a gente de um governo de patuscos, que é o mais odioso e engulhoso dos governos possíveis.» (p. 10)

Do progresso (ou do optimismo). «Este necessário e inevitável reviramento por que vai passando o mundo há-de levar muito tempo, há-de ser contrastado por muita reacção antes de completar-se...» (p. 11)

Prazeres. «No entretanto, vamos acender os nossos charutos [...] / [...] sentir na face e nos cabelos a brisa refrigerante que passou por cima da água, enquanto se aspiram molemente as narcóticas exalações de um bom cigarro de Havana, é uma das poucas coisas sinceramente boas que há neste mundo.» (p. 11)

Bairrismos: campinos e varinos. «Pois nós, que brigamos com o mar, oito e dez dias a fio numa tormenta, de Aveiro a Lisboa, e estes, que brigam uma tarde com um toiro, qual é que tem mais força?» (p. 1
cap. I : 9-13

terça-feira, 18 de agosto de 2020

o desejo


Eduardo Viana, Nu (1925)

Eça de Queirós - «Roupão de manhã de fazenda preta, bordado a soustache, com largos botões de madrepérola; o cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina, de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e láctea das louras: com o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha, e, no movimento lento e suave dos seus dedos, dois anéis e rubis miudinhos davam cintilações escarlates.» O Primo Basílio (1878)

"noite, doce noite"

António Carneiro, Nocturno (1911) 


Raul Brandão - «E noite, cerração compacta, névoa e granito formam um todo homogéneo para construírem um imenso e esfarrapado burgo de pedra e sonho.» A Farsa  (1903)

Francisco Costa - «Nessa noite de Julho, ao regressar a casa, deve ter parado, atónito, no meio da rua deserta: embora passasse da meia-noite, havia, na janela da frente, um risco de luz vertical!»  Cárcere Invisível  (1949).

José Régio - «Noites havia, sim, em que simplesmente apreciava a noite: O aspecto de mascaradas, ou desmascaradas, que certas casas têm a certas horas; o silêncio das ruas e a sonoridade das pedras; os vultos que se esgueiram, ou esperam à esquina, ou se cosem às paredes, ou nos roçam o ombro, ou nos pedem lume, ou falam alto; e depois esboços de paisagens, ou transfigurações inesperadas de coisas que à luz do dia são banais.» Jogo da Cabra-Cega (1934)


"eu tenho a paixão das árvores"

Silva Porto, Macieiras em Flor


Ferreira de Castro «O pinhal, todo de troncos grossos, casca áspera e gretada, adormecia austeramente no silêncio da tarde primaveril.»  (Emigrantes, 1928),

quarta-feira, 29 de julho de 2020

"O poeta", um ser à parte - EURICO O PRESBÍTERO (1844)

Eurico, recolhido para o mundo e aberto para Deus entregava-se à composição poética em seu louvor, ao entardecer, ficando até altas hora nas falésias sobre a baía de Carteia, aproveitando, como Herculano explica no corpo do texto, que Santo Isidoro de Sevilha fomentara nas cerimónias religiosas durante o IV Concílio de Toledo (633): «Nenhum de vós ouse reprovar os hinos compostos em louvor de Deus.»; e a sua condição poética fazia-o entender a natureza do cristianismo, radicada no amor: «[…] Eurico percebera claramente que o Cristianismo se resume em uma palavra -- fraternidade. Sabia que o Evangelho é um protesto, ditado por Deus para os séculos, contra as vãs distinções que a força e o orgulho radicaram neste mundo de lodo, de opressão e de sangue; sabia que a única nobreza é a dos corações e dos entendimentos que procuram erguer-se para as alturas do céu, mas que essa superioridade real é exteriormente humilde e singela.»
Surge aqui o Herculano liberal adversário da tradição no que esta tinha de manutenção ilegítima de privilégios, a começar pelos da própria Igreja, estendendo-se à restante sociedade. (Aliás o escritor recusou ser nobilitado pelo rei, seu antigo pupilo, ao contrário do que sucederia com Garrett, Castilho e mais tarde Camilo, que andou na pedincha.)
do cap. III, «O poeta», pp. 12-20

terça-feira, 14 de julho de 2020

«O presbítero»: o indivíduo na História - EURICO O PRESBÍTERO (1844)

1. Apresentação do protagonista e da sua história, até à condição de presbítero de Carteia -- antigo povoado fenício na baía de Gibraltar.. Os amores contrariados com Hermengarda, por Favila, duque da Cantábria, seu pai e também do grande Pelágio, o primeiro rei das Astúrias, entre 718 e 737 -- uma vez que Eurico pertencia à nobreza baixa --, deixam-no prostrado. «O orgulhoso Favila não consentira que o menos nobre gardingo pusesse tão alto a mira dos seus desejos.» Esta recusa, a que se junta a percepção de uma resignada aceitação por parte da amada leva a um estado depressivo, melancólico e de renúncia. Toma ordens e tornas-se sacerdote da pequena povoação.


2. Romantismo. O gardingo é caracterizado como um emotivo a quem «a melancolia […] devorava», e por isso detentor de uma personalidade diferente dos demais: «Eurico era uma destas almas ricas de sublime poesia a que o mundo deu o nome de imaginações desregradas, porque não é para o mundo entendê-las.» E na renúncia ao mundo transfere-se o entusiasmo guerreiro, o estro e o amor por Hermengarda numa outra devoção: «[...] o entusiasmo em entusiasmo pela virtude; o amor em amor dos homens.» A epígrafe, retirada da Vida de Eulógio, de Álvaro de Córdova (c.800-861): «Sublimado ao grau de presbítero… quanta brandura, qual caridade fosse a sua o amor de todos lho demonstrava.» 

3. O narrador é-o no tempo presente (1844) -- «O presbitério, situado no meio da povoação, era um edifício humilde, como todos os que ainda subsistem alevantados pelos Godos sobre o solo da Espanha.» --; aspecto relevante para ficarmos cientes de que os juízos de valor que traz ao papel se aplicam também (sobretudo?) à circunstância do agora.

Ou seja: a História exposta e também a sua (dele, Herculano) individualidade: o poeta, o homem de acção, fé e convicções.

(Cap. II, «O presbítero», : 6-11)

acrescento: 28.VII.2020

quarta-feira, 8 de julho de 2020

A BOCA DA ESFINGE, de Eduardo Frias e Ferreira de Castro (1924)


A Boca da Esfinge pertence ao grupo de livros que Ferreira de Castro eliminou da sua bibliografia, e o único escrito a quatro mãos. Foi publicado em Lisboa pela editora Aillaud e Bertand, em 1924.
Tal como em O Mistério da Estrada de Sintra se sabe o que é de Ramalho Ortigão por exclusão de partes, de tal modo é vívido o estilo de Eça de Queirós, também aqui o cunho castriano é assaz detectável.
Incipit e primeiro parágrafo.  «-- Quem o diria, Berenice?... Sim, porque quando tu nasceste eu já não era um adolescente: -- já tinha realizado aspirações, sofrido desilusões…»

Nem tempo nem espaço; apenas um discurso directo dirigido a uma personagem feminina, bastante mais nova. Entre ambos poderá haver uma relação amorosa, ou outra. Nome especioso, muito década de 1920 do século passado, anos loucos.
Apesar da co-autoria, não é difícil atribuir este parágrafo ao futuro grande romancista: a pontuação pouco convencional que Ferreira de Castro usava então, bem como o gosto magazinesco pelo nome incomum.
O primeiro capítulo, páginas 17 a 23, decorre num cais, certamente o de Lisboa, e a bordo de um navio transatlântico, por volta de 1920. As únicas personagens presentes são Mário de Albuquerque, homem de meia idade prestes a embarcar, rumo a um destino longínquo, e a sua amante, Berenice, de dezoito anos. A atmosfera é a de um transe de separação. Berenice surge como um estereótipo de animal sensual: «E via-lhe o corpo alto : -- a quem a seda indiscretamente revelava as formas : -- via-lhe o cabelo vagamente louro : -- que num anseio de liberdade se desgrenhava revoltosamente sobre o rosto : -- aquele rosto em os olhos verdes: -- glaucamente verdes : -- e o nariz ligeiramente adunco, eram apenas um pretexto para salientar os lábios grossos, vermelhos e húmidos : -- uns lábios por detrás dos quais vivia, como num covil, um desejo insaciável.» ; Mário, como um torturado: «Ele falava lentamente, tristemente, como se falasse de mortos muito queridos.»  A repetição do advérbio de modo é também muito comum em Ferreira de Castro neste primeiro período da sua vida literária, persistindo ocasionalmente em livros posteriores. Trata-se duma abertura desinteressante, muito marcada pelo romantismo da personagem masculina, toda atenta aos sinais, aos presságios, com um picante de devassidão: outrora, pela altura do nascimento de Berenice, Mário frequentava também o leito da amante do pai, provocando um sério conflito entre ambos.
Refracções - «Berenice continuava silenciosa : -- quase abstracta : -- os olhos pousados sobre o largo cais : -- esse cais que o sol crepuscular ia empalidecendo : -- e onde uma multidão invejosa ou saudosa dos que partiam, aguardava que o vapor levantasse ferro.» A luz, sempre a luz. E também uma alusão aos que ficam no cais, vendo os outros partir, com desenvolvimentos em Emigrantes, quatro anos mais tarde.
 Desinquietações: «E como a corroborar as últimas palavras da mulher, um criado passou pelo convés agitando uma grande campainha : -- miniatura de sino dobrando tristeza : -- avisando aos estranhos que estavam a bordo, que deviam abandonar o navio, porque este ia partir.» Uma extraordinária comparação da campainha do criado no convés, avisando as pessoas para se separarem -- os que vão e os que ficam (por quanto tempo?...) -- como um dobre a finados.

O estilo é alambicado, ao mau gosto magazinesco da época, muito longe da medida justa e viril de Emigrantes, aparecido quatro anos depois. Tanto postiço lembra, por vezes o Mário de Sá-Carneiro de A Confissão de Lúcio, insuportável. Salvam-se umas descrições, em especial dos efeitos da luz, que viria a ser uma espécie de imagem de marca de Ferreira de Castro e uma perspectiva cinética, que virá a desenvolver em obras futuras. E o mais interessante é saber que, para o fim da narrativa surdirá uma espécie de jacquerie contemporânea, evocando aquela que encontramos também na parte final de Húmus, de Raul Brandão, que Castro lera com atenção e sobre a qual escrevera.
Por vezes, umas figuras de estilo inesperadas: «Em baixo : -- no portaló : -- os marinheiros recolhiam a prancha : -- que acabou por desaparecer no flanco do vapor : -- como uma grande língua entre dois lábios negros.»
Dá vontade de continuar? Dá. Menos pela narrativa em si, como pelo facto de tratar-se de um outro Ferreira de Castro, menos consistente, embora as ideias sejam essencialmente as mesmas que depois veiculou nos livros da maturidade

quinta-feira, 2 de julho de 2020

3 fragmentos de A CAPITAL!, de Eça de Queirós (póst., 1925)



«A uma extremidade da plataforma, um rapaz magro, de olhos grandes e melancólicos, a face toda branca da frialdade fina de Outubro, com uma das mãos metida no bolso dum velho paletot cor de pinhão, a outra vergando contra o chão uma bengalinha envernizada, examinava o céu de manhã chovera; mas a tarde ia caindo clara, e pura; nas alturas laivos rosados estendiam-se como pinceladas de carmim muito diluído em água e, longe, sobre o mar, para além duma linha escura de pinheirais, por trás de grossas nuvens tocadas ao centro de tons de sanguínea e orladas de ouro vivo, subiam quatro fortes raios de sol, divergentes e decorativos -- que o rapaz magro, comparava às flechas ricamente dispostas num troféu luminoso.»


Artur Corvelo, o protagonista, que não sabemos ainda tratar-se de um arrivista, mas cuja melancolia do olhar e a brancura, dir-se-ia anémica da face, não anuncia nada de bom -- se atendermos às personagens queirosianas --, aguarda o padrinho na estação ferroviária de Ovar. O descritivo da luz e da cor, notoriamente naturalista, e o efeito que a paisagem provoca em Artur, denota uma sensibilidade estética -- quanto a mim mais do narrador que da personagem.


«Na estação havia apenas um passageiro, esperando o comboio: era um mocetão do campo, que não se movia, encostado à parede, com as mãos nos bolsos, os olhos inchados de ter chorado duramente cravados no chão e ao lado sentadas sobre uma arca de pinho nova, estavam duas mulheres, uma velha, e uma rapariga grossa e sardenta, ambas muito desconsoladas, tendo aos pés entre si, um saco de chita e um pequeno farnel de onde saía o gargalo negro duma garrafa.»
Um quadro realista de pura observação, um retrato dos simples,


«O rapaz magro esteve um momento raspando o chão com a bengala -- e foi andando devagar ao comprido da plataforma. Reparara agora no rapaz do campo, que supunha ia a Lisboa embarcar para o Brasil; e, sensibilizado pela face tão desolada da velha, ia pensando que o Emigrante seria um motivo tocante de poesia social: daria quadros de cor rica -- os vastos azuis do mar contemplados, as noites saudosas, longe, numa fazenda do Brasil, quando, quando a lua é muito clara e os engenhos estão calados; e aqui, no casebre da aldeia, os pais chorando à lareira e esperando os correios… Entrevia mesmo os primeiros versos:
Ei-lo que deixa o lar, a mãe chorosa,
Os verdes campos, o casal risonho…»
A burguesia provincial observa o povo; e apesar de o jovem emigrante ser uma das poucas personagens -- melhor se diria figurante, entrando daqui a pouco em discurso directo bem talhado --, das muito raras que não é motivo de irrisão, que não é caricatural, não podemos deixar de ver aqui um ligeiro esticar de lábios, não pelo emigrante mas pelo Curvelo. Era superior a si e também nisso era superior.

Eça de Queirós, A Capital! (c. 1878, póst., 1925) - edição crítica por Luiz Fagundes Duarte


segunda-feira, 22 de junho de 2020

3 fragmentos de A BOCA DA ESFINGE (1924), de Eduardo Frias e Ferreira de Castro

1. «Ele falava lentamente, tristemente, como se falasse de mortos muitos queridos.» A repetição do advérbio de modo, muito comum em Ferreira de Castro neste primeiro período da sua vida literária, persistindo ocasionalmente depois.

2. «Berenice continuava silenciosa: -- quase abstracta: -- os olhos pousados sobre o largo cais: -- esse cais que o sol crepuscular ia empalidecendo: -- e onde uma multidão invejosa ou saudosa dos que partiam, aguardava que o vapor levantasse ferro.» A luz, sempre a luz; e uma alusão aos que ficam no cais, vendo os outros partir, com desenvolvimentos em Emigrantes, quatro anos mais tarde.

3. «E como a corroborar as últimas palavras da mulher, um criado passou pelo convés agitando uma grande campainha: -- miniatura de sino dobrando tristeza: -- avisando aos estranhos que estavam a bordo, que deviam abandonar o navio, porque este ia partir.» Uma extraordinária comparação da campainha do criado no convés, avisando as pessoas para se separarem -- os que vão e os que ficam (por quanto tempo?...) -- com um dobre a finados.




(do capítulo I da 1.ª parte; Lisboa, Livrarias Aillaud e Bertrand, pp. 17-23)

domingo, 12 de janeiro de 2020

Camilo Castelo Branco, AMOR DE PERDIÇÃO (1862)

«Antes de entrar na avoenga liteira de seu marido, perguntou, com a mais refalsada seriedade, se não haveria risco de ir dentro daquela antiguidade. »

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Coelho Neto, A CAPITAL FEDERAL (1893)

«De longe em longe, uma luzinha treme, traçando no pó soalheiro dos caminhos uma risca luminosa -- é algum jogador, que se recolhe despojado e trôpego, ou o santíssimo padre Coriolano, que anda a correr o aprisco, a ver se alguma ovelha bale, roída pelo arrependimento do pecado, que é uma chaga terrível que a gente cura com as drogas da filosofia ou com a boa e sadia campónia, que, mais do que os santos, sabe levar os seus eleitos ao Paraíso, por um caminho bem diferente desse que a igreja conspícua e autera manda que se trilhe -- ninguém mais.» A Capital Federal (1893)