cronologia dos autores

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domingo, 13 de outubro de 2019

primeiro parágrafo de UMA ABELHA NA CHUVA (1953), de Carlos de Oliveira

«Pelas cinco horas duma tarde invernosa de outubro, certo viajante entrou em Corgos, a pé, depois da árdua jornada que o trouxera da aldeia do Montouro, por maus caminhos, ao pavimento calcetado e seguro da vila: um homem gordo, baixo, de passo molengão; samarra com gola de raposa; chapéu escuro, de aba larga, ao velho uso; a camisa apertada, sem gravata, não desfazia no esmero geral visível em tudo, das mãos limpas à barba bem escanhoada; é verdade que as botas de meio cano vinham de todo enlameadas, mas via-se que não era hábito do viajante andar por barrocais; preocupava-o a terriça, batia os pés com impaciência no empedrado. Tinha o seu quê de invulgar: o peso do tronco roliço arqueava-lhe as pernas, fazia-o bambolear como os patos: dava a impressão de aluir a cada passo. A respiração alterosa dificultava-lhe a marcha. Mesmo assim, galgara duas léguas de barrancos, lama, invernia. Grave assunto o trouxera decerto, penando nos atalhos gandareses, por aquele tempo desabrido.»


O tempo: Uma tarde de Outubro, invernosa, já no último terço: 17 horas.
O espaço: A entrada duma vila de província, Montouro, término de um percurso pedestre entabulado desde uma aldeia dos arredores, Corgos.
Personagem: Homem provavelmente de meia idade, pela descrição da indumentária de extracção burguesa. A urgência e gravidade do que tem a tratar acentuam o carácter grotesco que, expectavelmente, à partida não teria.
Impressões: Lama, chuva, barrancos em tarde invernosa reforçam a penosidade por que passa a personagem.
O modo: Uma caracterização física muito pormenorizada logo de início, um pouco inesperada para mim.

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