Enquanto houver literatura portuguesa (ou a memória dela), Garrett será sempre um dos nomes cimeiríssimos. E, portanto, nem sequer estou a contemplar a sua dimensão histórica e política, que foi grande. Não é impunemente que se escreve uma obra-prima absoluta (Frei Luís de Sousa), a melhor poesia do romantismo português (Folhas Caídas) ou se inaugura o romance moderno em língua própria (Viagens na Minha Terra). É o primeiro escritor português da primeira metade do século XIX, e só uma pessoa pode com ele ombrear, principalmente graças a monumental e fundadora obra de historiador: Alexandre Herculano.Vem isto a propósito das Cartas de Amor à Viscondessa da Luz. Sobre Eça de Queirós (outro gigante), Vergílio Ferreira disse qualquer coisa parecida com isto: dele tudo nos interessa, até a conta da lavandaria. Estas cartas são obra paraliterária, não foram escritas para publicação e reflectem um estado emocional alterado. Embora a epistolografia possa ostentar-se os galões de literatura de pleno direito -- vários foram os autores que viram as suas cartas equiparadas à obra mais séria, quando não suplantá-la: estou a lembrar-me de obras-primas como as Cartas do Cárcere, de Gramsci ou da maior parte das missivas do Eça, sempre ele --, não é isso que se passa com estas do punho garrettiano.Não que elas seja excessivamente anódinas, bem pelo contrário; não que a sua publicação não se justificasse. Há nelas muitos elementos úteis para estudo em várias áreas.São cartas de tal modo pessoais, unívocas, íntimas e obsessivamente repetitivas, que valem por essa expressão extrema de amor ardente e transgressor, penetrando de tal forma na intimidade do escritor que valem por essa verdade desvelada. Felizmente, o Pessoa já nos dera o antídoto para as cartas de amor -- e além do mais, que diabo!, esta paixão deu-nos as Folhas Caídas... 22 cartas que se salvaram, dentre as centenas que foram escritas e trocadas. Um milagre, portanto. É a segunda vez que se publicam, depois da edição de José Bruno Carreiro, que assinalou, em 1954, o centenário da morte de Garrett, um trabalho impecável do investigador brasileiro Sérgio Nazar David.Em duas palavras: Rosa Montúfar Infante, espanhola lindíssima, mulher do Visconde da Luz, militar e político de destaque, é amante de Almeida Garrett na segunda metade da década de 1840 até ao início do decénio seguinte. de Garrett temos a ideia do escritor quase-dândi, viril e sedutor com as mulheres, o eco do tribuno de voz bem colocada e palavra assertiva, do homem de acção que foi um dos bravos do Mindelo. ler-lhe os delíquios amorosos chega a ser perturbador e incómodo, passados 160 anos da sua morte, de tal modo ele é ainda nosso contemporâneo. As cartas são patéticas -- a paixão é patética (todas as paixões o são). A que leva o número XVIII, em que testemunhamos o seu desengano, a sua ingenuidade, o seu desgosto, essa, então, é dilacerante.Assim sendo, não estando estas cartas de Garrett nos píncaros da epistolografia portuguesa, são de enorme relevância biográfica. E mais do que isso: iluminam alguns poemas de Folhas Caídas, de um modo que não se suspeitava. Só por isso a sua edição teve toda a razão de ser.
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sexta-feira, 16 de setembro de 2022
CARTAS DE AMOR À VISCONDESSA DA LUZ -- Estados emocionais alterados
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022
Almeida Garrett (1799-1854)
É não só o introdutor do Romantismo em Portugal, como o renovador da literatura portuguesa. Uma vida rica, uma personalidade fortemente instável. Garrett era um dândi e um snob, mas um tipo de valor. Lutou pela liberdade de armas na mão, sofreu o exílio; e quando conheceu o poder, usou como poucos em benefício da comunidade. E sofreu como um cão a paixão e o ciúme.
João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (Porto, Rua do Calvário, n.º 18-20, 4-II-1799 - Lisboa, Campo de Ourique, actual Rua Saraiva de Carvalho, 9-XII-1854). Poeta, dramaturgo, romancista, publicista, epistológrafo, etnógrafo.
Bibliografia: Ode à Liberdade (1820); O Retrato de Vénus e O Dia 24 de Agosto (1821); Catão; O Corcunda (1922) Camões (1825); D. Branca. (1826); Adozinha (1828); Lírica de João Mínimo e Da Educação (1929); Portugal na Balança da Europa (1830); Romanceiro vol. I. (1843); Frei Luís de Sousa (1844); Flores sem Fruto (1845); Viagens na Minha Terra; Filipa de Vilhena (1846); A Sobrinha do Marquês (1848); O Arco de Santana (vol. II) (1850); Romanceiro, vols. II e III (1851); Folhas Caídas (1853). Póstumos: O Roubo das Sabinas (1968).
O ano de 1799
Contexto: Portugal integra a Segunda Coligação contra a França, organizada por William Pitt. Além da Inglaterra, inclui a Áustria, o reino de Nápoles, a Rússia e a Turquia. Por incapacidade da rainha, D. Maria I, o príncipe D. João assume a regência do reino.
Confronto: Napoleão, derrotado por Nelson na batalha naval de Abukir, regressa do Egipto. No fim do ano, o golpe do 18 de Brumário (9 de Novembro) afasta o Directório; Bonaparte primeiro-cônsul.
Livros: Manuel Maria Barbosa du Bocage, Rimas, t. II; Tomás António Gonzaga, Marília de Dirceu., parte II.
Confronto Friedrich Schleiermacher, Discurso sobre as Religiões; Friedrich Schiller, A Morte de Walden; J. G. von Herder, Metacrítica; James Mackintosh, Discurso sobre o Estudo da Lei da Natureza e das Nações; Mungo Park, Viagens no Interior de África;
Pintura:
Vieira Portuenese, Nossa Senhora da Conceição confronto:
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Música:
E ainda: Descoberta da Pedra de Roseta, a partir da qual se decifrará a escrita hieroglífica. Alessandro Volta descobre a pilha.
terça-feira, 8 de fevereiro de 2022
1825: CAMÕES (Almeida Garrett)
sexta-feira, 8 de outubro de 2021
Bib. Garrett, segundo Alberto Osório de Vasconcelos
«O seu testamento é glorioso. Deixou-nos um famoso legado, composto de obras primas. 'Mérope' e 'Catão', reminiscências de Voltaire, temperadas pelo génio peculiar do autor; o 'Parnaso Lusitano', modelo de selecção; a 'D. Branca', episódio épico incomparável; 'Camões', elegia sublime; o 'Romanceiro', repositório de esplendores sem reproches; as 'Viagens na minha terra', desespero de folhetinistas e romancistas; 'Um Auto de Gil Vicente', áureo reflexo de uma época memorável; o 'Alfageme', tão português, tão nosso, que nos obriga a cantar com Froilão e a combater com Nun'Álvares; o 'Frei Luís de Sousa', drama de primeira ordem, modelo eterno do género; o 'Arco de Sant'Ana', tão cheio de alusões finíssimas; e, aos cinquenta anos, admirai berberes, curvai-vos moçárabes, batei nos peitos rapazes-velhos, aos cinquenta anos Garrett, sempre juvenil, escreveu de um jacto as 'Folhas caídas'!»
Garrett, Castilho, Herculano e a Escola Coimbrã.
(foto)
quinta-feira, 13 de maio de 2021
Alexandre Herculano: 1844, o ano de EURICO O PRESBÍTERO
Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero, Lisboa, Imprensa Nacional, 1944.
Turner: Chuva, Vapor e Velocidade |
Texto. Almeida Garrett, Teatro. António Feliciano de Castilho, Escavações Poéticas. António Xavier Rodrigues Cordeiro dirige a revista poética O Trovador (Coimbra).
Confronto. Alexandre Dumas, O Conde de Monte Cristo e Os Três Mosqueteiros. Cesare Balbo, As Esperanças de Itália. Charles Dickens, Martin Chuzzlewit. Friedrich Engels, A Situação da Classe Trabalhadora em Inglaterra. Hans Christian Andersen, Novos Contos de Fadas. José Zorrilla, D. João Tenório. Karl Marx, Sobre a Questão Judaica. Max Stirner, O Único e a Sua Propriedade. Soren Kierkegaard. O Conceito de Angústia. W. M. Thakeray, As Memórias de Barry Lyndon.
Contexto. Revolta setembrista, com liderança política de José Estêvão, contra o governo de Costa Cabral (Torres Novas, 4-II). Guerra Franco-Marroquina, bombardeamento de Tânger (1-VIII) Inaugurada a primeira linha de telégrafo, ligando Baltimore e Washington.
Delacroix, Últimas Palavras do Imperador Marco Aurélio |
(em construção)
segunda-feira, 10 de maio de 2021
Almeida Garrett nos dicionários - DICIONÁRIO UNIVERSAL DE LITERATURA
Henrique Perdigão. Uma síntese de na 2.ª edição do seu insano Dicionário Universal de Literatura (1940): «[...] simples, acessível, eficaz, faltando, no excerto, as Folhas Caídas, talvez a única obra poética de Garrett que sobreviveu ao tempo: «[...] Garrett, como poeta, cantou especialmente o amor da Pátria e da liberdade; esta inspirou-lhe o Catão [...]; aquele inspirou-lhe o Camões, o melhor, talvez, dos seus trabalhos e a primeira manifestação da poesia romântica em Portugal [...] Como dramaturgo, só, também, de assuntos nacionais se ocupou, criando com Um Auto de Gil Vicente, Frei Luís de Sousa e outras peças a verdadeira escola dramática. Como prosador, bastariam as páginas que deixou no Arco de Sant'Ana e nas Viagens na Minha Terra para que o seu nome se impusesse à admiração unânime do País, onde não foi só o grande reformador das letras, mas o fundador do teatro nacional. [...]» (DUL, 243-245)
domingo, 9 de maio de 2021
Almeida Garrett: notas avulsas
1. Garrett e este miserável país. A casa onde morreu Almeida Garrett está em risco, por abandono e especulação. Somos um país de alarves, ainda atiramos lixo pela janela do carro, não temos civilização para respeitar a memória espiritual de quem foi enorme no seu tempo, apesar de todas as humaníssimas fraquezas. Somos um país de lepes, canalha de mão estendida a quem encheram os bolsos sem antes ensinarem a mastigar de boca fechada. O resultado é esta vileza. Demolir aquilo é como arrasar a casa de Dickens em Londres, onde ele só viveu escassos meses, mas está lá, para ser visitada; é como destruir a casa de Balzac em Paris, onde o homem viveu com um nome falso, e mesmo assim não se livrava dos credores, e também lá está. Mas é pior, muito pior para nós, periféricos, provincianos, tão atrasados que até envergonha. Eles, ingleses e franceses têm tanto, e tantas casas, de Dickens, de Balzac, de Thackeray, de Hugo, de... E nós temos tão pouco... (21-III-2005)
terça-feira, 20 de abril de 2021
Ruben A.: A TORRE DA BARBELA (1964)
Absolutamente marcante, portanto. O que esperar de uma catrefa de personagens de várias épocas que coexistem no mesmo espaço e interagem entre si? O guia burgesso e comerciante para turista entreter e, se possível, enrolar, situa-nos no espaço e no tempo; mas logo aparece um Menino Sancho, ser misterioso e disforme, e o lendário Cavaleiro da Barbela: «De cada túmulo, de cada sarcófago ou fosso anónimo eles iam saindo, meio estonteados pelos séculos da História»...
Leio aqui o Portugal profundo de então: um país de mortos-vivos.
segunda-feira, 19 de abril de 2021
Raul Brandão: HÚMUS, ternura e lágrimas
Dizer que o Húmus (1917) é um livro único e ser único Raul Brandão na nossa literatura é uma banalidade que, por sê-lo, não deixa de ser verdadeira. Todos os livros que li dele são enormes, à imagem da grande estatura e da densidade do seu autor.
quinta-feira, 25 de março de 2021
Manuel Ribeiro (1878-1941): anarquista, comunista, católico -- romancista
Filiação: pai, sapateiro.
Formação :
Relações e descendência:
Os livros: