cronologia dos autores

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sexta-feira, 16 de setembro de 2022

CARTAS DE AMOR À VISCONDESSA DA LUZ -- Estados emocionais alterados

Enquanto houver literatura portuguesa (ou a memória dela), Garrett será sempre um dos nomes cimeiríssimos. E, portanto, nem sequer estou a contemplar a sua dimensão histórica e política, que foi grande. Não é impunemente que se escreve uma obra-prima absoluta (
Frei Luís de Sousa), a melhor poesia do romantismo português (Folhas Caídas) ou se inaugura o romance moderno em língua própria (Viagens na Minha Terra). É o primeiro escritor português da primeira metade do século XIX, e só uma pessoa pode com ele ombrear, principalmente graças a monumental e fundadora obra de historiador: Alexandre Herculano.
Vem isto a propósito das Cartas de Amor à Viscondessa da Luz. Sobre Eça de Queirós (outro gigante), Vergílio Ferreira disse qualquer coisa parecida com isto: dele tudo nos interessa, até a conta da lavandaria. Estas cartas são obra paraliterária, não foram escritas para publicação e reflectem um estado emocional alterado. Embora a epistolografia possa ostentar-se os galões de literatura de pleno direito -- vários foram os autores que viram as suas cartas equiparadas à obra mais séria, quando não suplantá-la: estou a lembrar-me de obras-primas como as Cartas do Cárcere, de Gramsci ou da maior parte das missivas do Eça, sempre ele --, não é isso que se passa com estas do punho garrettiano.
Não que elas seja excessivamente anódinas, bem pelo contrário; não que a sua publicação não se justificasse. Há nelas muitos elementos úteis para estudo em várias áreas.
São cartas de tal modo pessoais, unívocas, íntimas e obsessivamente repetitivas, que valem por essa expressão extrema de amor ardente e transgressor, penetrando de tal forma na intimidade do escritor que valem por essa verdade desvelada. Felizmente, o Pessoa já nos dera o antídoto para as cartas de amor -- e além do mais, que diabo!, esta paixão deu-nos as Folhas Caídas... 22 cartas que se salvaram, dentre as centenas que foram escritas e trocadas. Um milagre, portanto. É a segunda vez que se publicam, depois da edição de José Bruno Carreiro, que assinalou, em 1954, o centenário da morte de Garrett, um trabalho impecável do investigador brasileiro Sérgio Nazar David.
Em duas palavras: Rosa Montúfar Infante, espanhola lindíssima, mulher do Visconde da Luz, militar e político de destaque, é amante de Almeida Garrett na segunda metade da década de 1840 até ao início do decénio seguinte. de Garrett temos a ideia do escritor quase-dândi, viril e sedutor com as mulheres, o eco do tribuno de voz bem colocada e palavra assertiva, do homem de acção que foi um dos bravos do Mindelo. ler-lhe os delíquios amorosos chega a ser perturbador e incómodo, passados 160 anos da sua morte, de tal modo ele é ainda nosso contemporâneo. As cartas são patéticas -- a paixão é patética (todas as paixões o são). A que leva o número XVIII, em que testemunhamos o seu desengano, a sua ingenuidade, o seu desgosto, essa, então, é dilacerante.
Assim sendo, não estando estas cartas de Garrett nos píncaros da epistolografia portuguesa, são de enorme relevância biográfica. E mais do que isso: iluminam alguns poemas de Folhas Caídas, de um modo que não se suspeitava. Só por isso a sua edição teve toda a razão de ser.


Almeida Garrett, Cartas de Amor à Viscondessa da Luz, edição de Sérgio Nazar David, Vila Nova de Fmalicão, Edições Quasi, 2007. (28-XI-2014)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Almeida Garrett (1799-1854)

É não só o introdutor do Romantismo em Portugal, como o renovador da literatura portuguesa. Uma vida rica, uma personalidade fortemente instável. Garrett era um dândi e um snob, mas um tipo de valor. Lutou pela liberdade de armas na mão, sofreu o exílio; e quando conheceu o poder, usou como poucos em benefício da comunidade. E sofreu como um cão a paixão e o ciúme. 

João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (Porto, Rua do Calvário, n.º 18-20, 4-II-1799 - Lisboa, Campo de Ourique, actual Rua Saraiva de Carvalho, 9-XII-1854). Poeta, dramaturgo, romancista, publicista, epistológrafo, etnógrafo.

Bibliografia: Ode à Liberdade (1820);  O Retrato de Vénus e O Dia 24 de Agosto (1821); Catão; O Corcunda (1922) Camões (1825); D. Branca. (1826);  Adozinha (1828);  Lírica de João Mínimo Da Educação (1929); Portugal na Balança da Europa (1830); Romanceiro vol. I. (1843); Frei Luís de Sousa (1844); Flores sem Fruto (1845); Viagens na Minha TerraFilipa de Vilhena (1846); A Sobrinha do Marquês (1848); O Arco de Santana (vol. II) (1850);  Romanceiro, vols. II e III (1851); Folhas Caídas (1853). Póstumos: O Roubo das Sabinas (1968).

O ano de 1799

ContextoPortugal integra a Segunda Coligação contra a França, organizada por William Pitt. Além da Inglaterra, inclui a Áustria, o reino de Nápoles, a Rússia e a Turquia. Por incapacidade da rainha, D. Maria I, o príncipe D. João assume a regência do reino.

Confronto: Napoleão, derrotado por Nelson na batalha naval de Abukir, regressa do Egipto. No fim do ano, o golpe do 18 de Brumário (9 de Novembro) afasta o Directório; Bonaparte primeiro-cônsul.

Livros: Manuel Maria Barbosa du Bocage, Rimas, t. II; Tomás António Gonzaga, Marília de Dirceu., parte II.

Confronto  Friedrich Schleiermacher, Discurso sobre as ReligiõesFriedrich Schiller, A Morte de Walden; J. G. von Herder, Metacrítica; James Mackintosh, Discurso sobre o Estudo da Lei da Natureza e das Nações  Mungo Park, Viagens no Interior de África 

Pintura:

Vieira Portuenese, Nossa Senhora da Conceição

confronto: 
Goya, Os Caprichos

Música:

Marcos Portugal, La pazza giornata ovvero Il matrimonio di Figaro (libreto: Geteano Rossi).

 confronto: Ludwig van Beethoven, Sonata #8, "Patética"


E aindaDescoberta da Pedra de Roseta, a partir da qual se decifrará a escrita hieroglífica. Alessandro Volta descobre a pilha.


terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

1825: CAMÕES (Almeida Garrett)


Almeida Garrett (4-II-1799 - 9-XII-1854) - Camões, Paris, Na Livraria Nacional e Estrangeira (poema). 
E ainda:
Confronto: Walter Scott, O Talismã. Alessandro Manzoni, Os NoivosLamennais, Da Religião -- Considerada nas Suas Relações Política e Civil.

Nasce Camilo Castelo Branco.

Contexto. Portugal reconhece a independência do Brasil. Fundação das Escolas Régias de Cirurgia de Lisboa e Porto. ( JS). "Dois vapores entram ao serviço na carreira marítima entre Lisboa e Porto» (AMP). 
Confronto. Inglaterra: Lei laboral impede que menores de dezasseis anos trabalham mais de doze horas diárias, excluindo as refeições; é inaugurada a primeira linha férrea pública em Inglaterra, entre Darlington e Stockton-on-Tees. Rússia: revolta dezembrista (pró-constitucional). Bolívia separa-se do Peru e Uruguai do Brasil; este declara guerra à Argentina.



sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Bib. Garrett, segundo Alberto Osório de Vasconcelos

«O seu testamento é glorioso. Deixou-nos um famoso legado, composto de obras primas. 'Mérope' e 'Catão', reminiscências de Voltaire, temperadas pelo génio peculiar do autor; o 'Parnaso Lusitano', modelo de selecção; a 'D. Branca', episódio épico incomparável; 'Camões', elegia sublime; o 'Romanceiro', repositório de esplendores sem reproches; as 'Viagens na minha terra', desespero de folhetinistas e romancistas; 'Um Auto de Gil Vicente', áureo reflexo de uma época memorável; o 'Alfageme', tão português, tão nosso, que nos obriga a cantar com Froilão e a combater com Nun'Álvares; o 'Frei Luís de Sousa', drama de primeira ordem, modelo eterno do género; o 'Arco de Sant'Ana', tão cheio de alusões finíssimas; e, aos cinquenta anos, admirai berberes, curvai-vos moçárabes, batei nos peitos rapazes-velhos, aos cinquenta anos Garrett, sempre juvenil, escreveu de um jacto as 'Folhas caídas' 

Garrett, Castilho, Herculano e a Escola Coimbrã.

(foto)

 

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Alexandre Herculano: 1844, o ano de EURICO O PRESBÍTERO


Alexandre HerculanoEurico o Presbítero, Lisboa, Imprensa Nacional, 1944.

Turner: Chuva, Vapor e Velocidade


Texto. Almeida Garrett, Teatro. António Feliciano de Castilho, Escavações Poéticas.  António Xavier Rodrigues Cordeiro dirige a revista poética O Trovador (Coimbra).

Confronto. Alexandre Dumas, O Conde de Monte Cristo e Os Três Mosqueteiros. Cesare Balbo, As Esperanças de Itália. Charles Dickens, Martin ChuzzlewitFriedrich EngelsA Situação da Classe Trabalhadora em Inglaterra. Hans Christian Andersen, Novos Contos de Fadas. José Zorrilla, D. João TenórioKarl MarxSobre a Questão Judaica. Max Stirner, O Único e a Sua Propriedade. Soren Kierkegaard. O Conceito de AngústiaW. M. ThakerayAs Memórias de Barry Lyndon.

Contexto. Revolta setembrista, com liderança política de José Estêvão, contra o governo de Costa Cabral (Torres Novas, 4-II). Guerra Franco-Marroquina, bombardeamento de Tânger (1-VIII) Inaugurada a primeira linha de telégrafo, ligando Baltimore e Washington.

Delacroix, Últimas Palavras do Imperador Marco Aurélio


 (em construção)


segunda-feira, 10 de maio de 2021

Almeida Garrett nos dicionários - DICIONÁRIO UNIVERSAL DE LITERATURA


Henrique Perdigão
Uma síntese de na 2.ª edição do seu insano Dicionário Universal de Literatura (1940): «[...] simples, acessível, eficaz, faltando, no excerto, as Folhas Caídas, talvez a única obra poética de Garrett que sobreviveu ao tempo: «[...] Garrett, como poeta, cantou especialmente o amor da Pátria e da liberdade; esta inspirou-lhe o Catão [...]; aquele inspirou-lhe o Camões, o melhor, talvez, dos seus trabalhos e a primeira manifestação  da poesia romântica em Portugal [...] Como dramaturgo, só, também, de assuntos nacionais se ocupou, criando com Um Auto de Gil Vicente, Frei Luís de Sousa e outras peças a verdadeira escola dramática. Como prosador, bastariam as páginas que deixou no Arco de Sant'Ana e nas Viagens na Minha Terra para que o seu nome se impusesse à admiração unânime do País, onde não foi só o grande reformador das letras, mas o fundador do teatro nacional. [...]» (DUL, 243-245)

domingo, 9 de maio de 2021

Almeida Garrett: notas avulsas



1. Garrett e este miserável país. A casa onde morreu Almeida Garrett está em risco, por abandono e especulação. Somos um país de alarves, ainda atiramos lixo pela janela do carro, não temos civilização para respeitar a memória espiritual de quem foi enorme no seu tempo, apesar de todas as humaníssimas fraquezas. Somos um país de lepes, canalha de mão estendida a quem encheram os bolsos sem antes ensinarem a mastigar de boca fechada. O resultado é esta vileza. Demolir aquilo é como arrasar a casa de Dickens em Londres, onde ele só viveu escassos meses, mas está lá, para ser visitada; é como destruir a casa de Balzac em Paris, onde o homem viveu com um nome falso, e mesmo assim não se livrava dos credores, e também lá está. Mas é pior, muito pior para nós, periféricos, provincianos, tão atrasados que até envergonha. Eles, ingleses e franceses têm tanto, e tantas casas, de Dickens, de Balzac, de Thackeray, de Hugo, de... E nós temos tão pouco... (21-III-2005)


2. O cânone poético de Cascais. Cascais passou a ser diferente quando Almeida Garrett (1799-1854) publicou Folhas Caídas (1853). O poema «Cascais», poderosa expressão lírica do romantismo, pela intemperança, volubilidade, transgressão que encerra, veio acrescentar algo ao património cultural cascaense. Não vemos Cascais do mesmo modo depois de lermos este poema, pois a nossa relação com o espaço será inevitavelmente condicionada por ele. A composição tem assim uma dimensão ontológica que altera a percepção, a vivência, em suma a sensibilidade de quantos a lêem em face duma realidade geológica com milhões de anos, até então apreendida sempre da mesma forma pelo homem -- ou, mais rigorosamente, nunca uma estesia semelhante fora manifestada e comunicada desta maneira: «Inda ali acaba a Terra, / Mas já o céu não começa; / Que aquela visão da serra / Sumiu-se na treva espessa, / E deixou nua a bruteza / Dessa agreste natureza.» (16) Garrett, foi, portanto, uma espécie de patrono literário de Cascais, um autor citado sempre que se pretendia mostrar como «estes sítios» (outro poema de Folhas Caídas sobre o espaço cascaense) haviam sido um estímulo para um grande escritor.
Em meados so século XX, o poeta moçárabe (17) Abu Zayd 'Abd ar-Rahman ibn Muqãna (al-Qabdaqi al-Lixbuni), século XI, natural do lugar de Alqabdaq, surge como autor a (re)descobrir. Para além do interesse histórico-cultural da sua poesia -- em que encontramos «uma das mais antigas referências literárias aos moinhos de vento, situados na Europa» (18) -- trata-se também de um excelente poeta do Andaluz. Com a inauguração do monumento que o evoca, da autoria do escultor António Duarte (autor também da estátua de D. Pedro I, no coração da vila), Ibn Muqãna (ou Mucana) foi talvez o primeiro poeta -- em especial com o conhecido «Poema de Alcabideche», objecto de várias versões -- a ser incorporado na bagagem cultural do grande público, mercê também das disciplinas escolares orientadas para as realidades locais que vigoram nos programas de há algumas décadas para cá.
Em meados do anos 60 Cascais tinha dois ex-libris poéticos que ultrapassavam a condição de meras referências literárias, sendo antes dois textos canónicos absolutamente definitivos e adquiridos pela população estudantil e de média formação cultural.
Notas:
(16) Almeida GARRETT, Folhas Caídas, Mem martins, Publicações Europa-América, s.d. : 56.
(17) María de Jesus RUBIERA MATA, Ibn Muqãna de Alcabideche, 2.ª edição, Cascais, Associação Cultural de Cascais, 1996 : 7-8.
(18) Fausto do Amaral de FIGUEIREDO, «Abú Zaíde Ibne Mucana», Cascais e os Seus Lugares, n.º 20, Estoril, Junta de Turismo da Costa do Sol, 1966 : 16. (19-XI-2007)

terça-feira, 20 de abril de 2021

Ruben A.: A TORRE DA BARBELA (1964)


1. Do desconchavo. A esquizofrenia entre o que fomos e o que éramos e tentámos ser, a idolatria paralisante.

2. Um país de mortos-vivos. Picaresco e fantástico, A Torre da Barbela, de Ruben A., tem uma originalidade que lhe dá um lugar único no panorama romanesco português, tanto quanto me é dado saber. Calculo que a reacção no ano em que foi publicado (1964) deva ter oscilado entre o estranhamento e a indiferença, que é o que sucede a tudo que esteja fora dos cânones. Nem era romance psicológico à presença, nem neo-realista e muito menos procurava imitar os franceses do nouveau roman. Embora não me pareça a obra-prima que alguns nela vêem, tem o atractivo de ser iconoclasta para com o romance português da época, e é-o com humor. E o autor, recorde-se, além de escritor desalinhado do mainstream, era também historiador circunspecto, nomeadamente do século XIX, sabendo muito bem o que estava a fazer -- literária e até, digamos, politicamente.
Absolutamente marcante, portanto. O que esperar de uma catrefa de personagens de várias épocas que coexistem no mesmo espaço e interagem entre si? O guia burgesso e comerciante para turista entreter e, se possível, enrolar, situa-nos no espaço e no tempo; mas logo aparece um Menino Sancho, ser misterioso e disforme, e o lendário Cavaleiro da Barbela: «De cada túmulo, de cada sarcófago ou fosso anónimo eles iam saindo, meio estonteados pelos séculos da História»...
Leio aqui o Portugal profundo de então: um país de mortos-vivos.

3. Cap. I. - incipit. «Sempre que do portão se avizinhava mero turista ou descobridor de mistérios e o sino ficava longo tempo a retinir pela ribeira, ouviam-se pesados bate-lajedos de caseiro em movimento.»

4. Entre digestões e Salazar. Ainda a procissão ia no adro, ou melhor: ainda era de dia -- o período mais desinteressante na velha Torre da Barbela --, os poucos visitantes "do costume" iniciavam a ascenção dos seus 32 metros, e já o narrador pusera o caseiro-guia, muito despachado nas suas "lérias de almanaque", em "ascrições latinas", pedras de "prumitiba" ou mortes por "adigestão" para impressionar os excursionistas, que rapidamente se desvanecerão, sem outro interesse na narrativa que não fosse o de pontuar a vetustez e decorrente interesse patrimonial do edifício -- como seria de esperar dum grupo de de excursionistas.
O registo é cómico desde o início: a fila de visitantes a caminho do alto é comparada com uma espécie de lombriga subindo por um enorme tubo digestivo, o próprio monumento:
«A bicha dentro do esófago da Torre contava para si os martírios passados naquela ascensão; uns davam  ah has de alívio, outros comparavam com a escadaria do Bom Jesus do Monte, com a Torre dos Clérigos e ainda recordavam a subida ao Santuário de Lamego.» (p.8)
Ao tom farsante, imagens do remanso bucólico do país: o rio Lima, «calão e adormecido», que «nem sabia de onde vinha»; «saudades da Índia à deriva num mar vegetal», Natureza «a queixar-se do reumático», quotidiano vegetativo.
"O dono actual, burgesso" deste "monumento nacional" deixava-o ao abandono: «E talvez fosse melhor assim. Não se industrializava nem se ofendia o sagrado das pedras, testemunhas de feitos extraordinários.» (p.10) O dono da Torre que evoca o Portugal da época -- vasta paisagem para lá de Lisboa -- e o dono dele, Salazar.
(continua)


 

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Raul Brandão: HÚMUS, ternura e lágrimas

 


Dizer que o Húmus (1917) é um livro único e ser único Raul Brandão na nossa literatura é uma banalidade que, por sê-lo, não deixa de ser verdadeira. Todos os livros que li dele são enormes, à imagem da grande estatura e da densidade do seu autor.

«A vila», o microcosmos que é o mundo, a vida que se nos escapa por entre as mãos, enquanto vivemos ninharias, enquanto alguns de nós a vêem fugir como numa peneira e a maioria, tendo essa percepção instintiva e animal, nem pensa nisso, entregando a insignificância da sua passagem pela existência à ganância, à convenção, à emulação até à cova de um cemitério.
A vida é demasiado grande e nós incompatíveis com essa grandeza. «Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste...» E onde estão as Teles e as Sousas, que se odeiam, as Fonsecas e as Albergarias, Donas Engrácia e Biblioteca, Restituta e Procópia, o Elias de Melo e o Melias de Melo, podemos substituir os seus nomes pelos da maior parte de nós. «O nada a espera e a D. Procópia a abrir a boca com sono, como se não tivesse diante de si a eternidade para dormir». E ainda os outros, paisagem como o Gabiru ou adereços como a criada Joana, vivendo a vida dos outros, como se para outra coisa não tivesse vindo ao mundo: «Sempre a comparei à macieira do quintal: é inocente e útil e não ocupa lugar, e não vem Inverno que não dê ternura, nem Inverno sem produzir maçãs.»
O Raul Brandão é isto: ternura e lágrimas.

quinta-feira, 25 de março de 2021

Manuel Ribeiro (1878-1941): anarquista, comunista, católico -- romancista





Manuel António Ribeiro (Albernoa, Beja, 13.XII.1878 -- Lisboa, 27.XI.1941).

Filiação: pai, sapateiro.

Formação : 

Relações e descendência:

Os livros: